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Nuno Sousa: "Servir todos. Esse é o desafio no futuro" Voltar

segunda-feira, 26/10/2020   
Medicina
O presidente da Escola de Medicina enquadra os 20 anos de história da instituição da Universidade do Minho, abordando a construção do novo plano de estudos e onde há espaço para criar mais.
Como podemos definir estes primeiros vinte anos da Escola de Medicina?
Numa palavra? Sucesso.

E porquê?

Sucesso porque, em primeiro lugar, nós cumprimos todos os objetivos que tinham sido estabelecidos quando o projeto foi lançado. E fomos bem para além desses objetivos.

Sucesso para mim seria medida se tivéssemos atingido os objetivos a que nos tínhamos proposto. Tê-lo feito e ter feito bastante mais, pese embora ser um protagonista enviesado, penso que posso dizer com alguma segurança que é um sucesso – e é reconhecido, de maneira geral, por todas as pessoas que conhecem o projeto.

Mencionou os objetivos com que nascemos. E alguns desses propósitos são inovar e formar mais do que médicos. Como é que isto se mantém ano após ano?

Seguramente o componente da nossa missão que é mais fácil de comunicar e de percecionar é esse em que dizemos que melhoramos os cuidados de saúde através da formação. É isso que vem imediatamente à cabeça das pessoas quando se fala numa escola médica: é um sítio onde se formam médicos. Ainda para mais quando, de uma forma reiterada e repetida, os alunos numa prova nacional de seriação para entrada no internato médico têm um desempenho claramente acima dos outros estudantes nacionais.

Isso é o que vem logo à cabeça das pessoas. Mas a formação não é só dos estudantes de Medicina. Nós também alargamos o conceito para a formação pós-graduada – que também é mais ou menos clássico. Temos estudantes de mestrado, de doutoramento, programas doutorais muito bem-sucedidos e formámos gente de enorme valor, que ficaram por cá ou que foram para outras paragens.

Mas introduzimos também, desde o início, o conceito de formação contínua, sobretudo para profissionais de saúde. E este já é um conceito um pouco mais complexo. É um conceito de que uma pessoa que se junta a nós tem algum nível de afiliação com esta Escola e esta afiliação permite-lhe concretizar as suas ambições de cada momento num trajeto que é próprio e diverso. E esta noção de que renovamos todos os anos o nosso portefólio de oferta formativa para profissionais de saúde, de pessoas que já estão no terreno e querem continuar a aprender, é uma grande aposta – e neste caso fazemo-lo com ligações muito relevantes com um parceiro fundamental no projeto, a Alumni Medicina.

A missão não termina aqui. Tem o componente da geração de conhecimento e esse componente tem agora duas dimensões. A primeira a ser criada foi a da investigação fundamental, com o ICVS, e que traduzia muito a matriz do corpo docente mais fundacional do projeto. E, há cerca, de oito anos criámos o Centro Clínico Académico, que dá também uma dimensão totalmente distinta ao perfil da investigação que fazemos e que também a completa. Este é o segundo pilar deste projeto.

O último pilar, esse sim ainda mais ambicioso e difícil de percecionar, é o pilar do valor. E valor com uma dupla dimensão. O valor económico, e para isso foi instrumental a criação da B. ACIS, onde nós criámos capacidade de dar mais percurso às ideias de investigação que provamos serem úteis. E o valor social, onde o P5 é a parte mais visível desta componente, com a prestação de cuidados de saúde inovadores, que não estão em competição com quem está a trabalhar neste espaço, mas que acrescenta valor ao sistema.

Portanto, esta visão global da missão permite-me classificar o projeto como um projeto muito bem-sucedido.

Falámos já aqui de um cluster da Escola de Medicina com várias vertentes, como a investigação ou a medicina digital. Por que é tão importante uma escola médica ter um papel ativo nestes campos? Não é assim tão comum…
Porque essa é a nossa missão e a nossa visão. Se o primeiro componente, a formação, era o componente com o qual tínhamos assumido um compromisso. E se o componente da investigação, sobretudo a mais fundamental, era também de compromisso, porque sempre acreditamos que não é possível formar bons profissionais de saúde fora do contexto de investigação e da procura de evidência. Os outros componentes, da investigação clínica, do valor económico de sustentabilidade do projeto e do valor social, são menos comuns ao perfil das escolas médicas – mas é essa a visão em que nós acreditamos.

Uma escola médica de facto não pode reduzir-se, na opinião das pessoas desta casa, ao local onde se formam médicos. E mesmo que fosse assim, estes outros componentes são essenciais para os alunos terem este contexto e trabalharem num modelo educacional e num ecossistema diferente e inovador. É isto que faz sentido para nós e é o que queremos concretizar.

Abordando esse compromisso com a inovação e também com a formação de profissionais de saúde, podemos falar naquilo que foi a construção do MinhoMD e a envolvência de toda a comunidade no processo.

O exercício da prática clínica, o exercício da investigação, o exercício da prestação de cuidados de saúde, é um exercício que tem de ser feito para a comunidade, para o sistema de saúde. Portanto, tentar renovar e reconstruir os modelos formativos exclusivamente a partir de dentro e pensando com as pessoas que estão cá dentro é, na minha opinião que só me vincula a mim, um erro. Porque isso dá uma visão claramente enviesada das necessidades.

O ponto de partida para a construção do novo currículo, e realço que o currículo que nos serviu até agora é muito inovador e que garantiu uma formação de grande qualidade, partiu de uma pergunta muito simples: quais são as competências que um médico em 2040 ou 2050 irá necessitar?

E isso não pode ser só respondido por outros médicos, por estudantes de medicina. Tem de se trazer a comunidade, para dizerem o que elas também pensam disso. Há de facto inúmeros stakeholders envolvidos à volta dos sistemas de saúde que têm de ser respeitados. Nós tivemos um input que foi muito rico e que nos permitiu realmente ter em conta alguns aspetos que não seriam tao facilmente percecionados por quem está dentro e construir um currículo que começou agora o seu trajeto e que cobre melhor as necessidades formativas.

E falando do futuro. Quais são os próximos objetivos para a Escola de Medicina?
Aquilo que nós ambicionamos acho que está bem claro, nós temos duas importantíssimas tarefas. A primeira, e aquela que é mais evidente, é a consolidação destas verticais, a implementação do MinhoMD e os ajustes que seguramente vai necessitar, a consolidação das novas políticas de investigação que estamos a implementar, a consolidação da B.ACIS e do P5. Isto, por si só, são desafios enormes. Implementar e consolidar de uma forma segura como fizemos anteriormente.

Depois temos que ambicionar o futuro, e ambicionar o futuro implica, na nossa perspetiva, fazer cumprir um conjunto de objetivos estratégicos que estão definidos num mapa estratégico que tem uma granularidade distinta, conforme a análise que nós queremos pôr, mas que tem um objetivo comum que é servir as pessoas que estão connosco.

Servir as pessoas significa várias coisas: significa que temos que apurar a cultura da casa, ou seja, temos que estar permanentemente a pensar qual é a melhor forma de servir esta pessoa que está aqui a procurar a nossa escola, a trabalhar na nossa escola. Seja ele um estudante de mestrado, um estudante de doutoramento, um investigador mais ou menos diferenciado, uma empresa, um doente. Esta cultura de serviço.

Ligado com isto, a segunda grande ambição é criarmos as condições para passarmos de um ciclo centrado num learner - neste “cliente”, que pode ser, como digo, um estudante de medicina, um investigador, uma empresa, um doente que nos procure ou um profissional de saúde - para os sistemas de saúde, e isto pode parecer uma questão quase só linguística, mas não é, porque tens que deixar de estar centrado em grupos individuais e passares a ter uma visão muito integrada da dinâmica daqueles grupos e dos sistemas, e seguramente é aqui que nos queremos projetar a médio prazo. Isso tem profundas implicações, porque para fazer isso nós temos que ter um conhecimento muito mais profundo do sistema que queremos construir ou contribuir para ajudar a construir e da forma como nos posicionamos para lá chegar.

Eu sei que parece quase um jogo de palavras, mas é um jogo de conceitos. Sempre que fazes uma mudança de comportamentos, uma mudança de forma de pensar, isto é um processo transformacional.

Quase deixar de pensar em gavetas para passar a pensar no armário completo, de certa forma.
Absolutamente. E no armário como uma estrutura dinâmica que se enquadra num quarto, que se enquadra numa sala, que serve várias pessoas. Portanto, aquele armário, e essa é uma boa metáfora, tem que ser dinâmico e multifuncional.

E servir todos. Esse é o desafio no futuro.

Para terminar, uma coisa que se fala recorrentemente é do serviço à comunidade. Temos uma comunidade que não é só a Escola. É Braga, é o Minho, e no final das contas é o país e o mundo. Esse compromisso tem sido cumprido? E quais é que são os objetivos para continuar a renovar esse compromisso?

Eu acho que não tem sido cumprido, mas acho que, a expressão em inglês, é “there’s lots of room for improvement”. O que é que eu sinto aqui? Eu sinto que consigo nomear variadíssimos exemplos de cumprimento deste objetivo. Mas acho que isso fica aquém daquilo que deve de ser o resultado.

O resultado não devo ser eu a nomear. Têm de ser pessoas que não fazem parte desta estrutura a nomear. E repara isto é uma coisa completamente diferente. Uma coisa é ser juiz em causa própria e, portanto, é dizer “fizemos isto, isto e isto”. E tem valor. Sobretudo se o fizermos e é o nosso caso. Outra coisa é as pessoas que estão de fora dizerem “não, aqueles tipos fazem isto, isto e isto”. Eu acho que há aqui uma fortíssima necessidade de nós continuarmos a fazer. De fazermos mais, mais de forma mais eficiente, mais eficaz. Mas ao mesmo tempo de comunicarmos isto de uma forma muitíssimo melhor, para que as pessoas percebam e tenham a perceção que nos de facto estamos a fazer. E lá está, essa é a tal mudança de paradigma que estamos a tentar começar a criar para que daqui a quatro, cinco anos possa ser implementada e se possa dar um salto qualitativo.

A edição da revista Haja Saúde pode ser encontrada na íntegra aqui.

[Entrevista por Diogo Cruz e Tiago Ramalho, publicada na edição n.º 9 da Haja Saúde, em outubro de 2020]

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